A base do crânio é a região do corpo humano situada entre o cérebro e a coluna, sendo a parte óssea do crânio sobre a qual o cérebro está em cima e por onde trafegam os nervos (da visão, da audição , da deglutição etc.) que saem do cérebro e vão para o corpo humano. Dentro da medicina, a cirurgia da base do crânio é uma especialidade complexa e tumores localizados nesta região (geralmente benignos) necessitam tratamento por equipe multidisciplinar especializada composta por otorrinolaringologia, neurocirurgia, cirurgia plástica, cirurgia de cabeça e pescoço, oftalmologia, radioterapia, entre outras. Dependendo da doença não serão necessárias todas essas especialidades. O manejo das doenças da base do crânio deve ser realizado por profissionais experientes porque essa região de complexa anatomia é considerada por muitos médicos a região anatômica mais complexa do corpo humano.
Os sintomas que os pacientes com doenças da base do crânio são, na maioria dos casos, insidiosos e de evolução lenta, sendo o acometimento dos nervos cranianos um achado comum dependendo da localização do tumor. Por exemplo, perda progressiva de visão se o nervo óptico é afetado, dor na face quando o nervo trigêmeo é afetado etc.
O local e as características das lesões que acometem a base do crânio podem sugerir o diagnóstico, porém o resultado definitivo será dado com o exame histopatológico, ou seja, quando o tumor ou lesão retirada for avaliado no microscópio pelo patologista, porém, dependendo do que aparece nos exames de tomografia e ressonância magnética em alguns casos não é necessário cirurgia.
Quando a cirurgia é necessária, tão importante quanto a abordagem cirúrgica é o planejamento da reconstrução da base do crânio. O conhecimento pelo cirurgião da microanatomia cirúrgica da região e das complexas abordagens (transpetrosas, transfaciais, transcondilares, entre outras) ou mesmo os acessos cirúrgicos minimamente invasivos, é crucial. Estes fatores, somados a monitorização eletrofisiológica transoperatória (que avalia durante a cirurgia e em tempo real a integridade dos nervos e do cérebro, mesmo com o paciente anestesiado), cuidados neurointensivos na UTI, de enfermagem e fonoaudiologia tornaram possível ressecar tumores com grande segurança que antes eram considerados inacessíveis cirurgicamente.
Este texto sobre base do crânio está dividido em três partes. Inicialmente é fornecida uma breve descrição anatômica da base do crânio para o leitor entender o que é essa região. A seguir serão apresentados os principais aspectos clínicos dos tumores que acometem esta região. A descrição dos principais tipos de tumores virá a seguir, seguido pela descrição das principais abordagens cirúrgicas utilizadas para a ressecção destas lesões.
Anatomia da base do crânio:
A base do crânio anatomicamente pode ser dividida em três fossas: anterior, média e posterior. A parte posterior da base do crânio tem como estruturas formadoras a fossa jugular, o forâmen magno e o osso temporal. A parte central da base do crânio é composta pelo clivus, a sela túrcica, o seio cavernoso, as asas menores do esfenoide, e o planum sphenoidal. Já a parte anterior da base do crânio é composta pelo assoalho da fossa anterior, o teto da órbita, o teto dos seios etmoidais e a região cribiforme localizada medialmente ao teto da órbita. A base do crânio ainda pode ser dividida em fossas cranianas anterior (entre o osso frontal e a asa menor do osso esfenoide), média (entre a asa menor do osso esfenoide e a porção petrosa do osso temporal ) e posterior (entre a porção petrosa do osso temporal e o sulco para o seio transverso).
Visão superior da base do crânio. 1. forame jugular, 2. forame magno, 3. parte petrosa do osso temporal, 4. clivus, 5. sela túrcica, 6. região paraselar (corresponde ao seio cavernoso), 7. Asa do osso esfenóide, 8. planum esfenoidal, 9. teto da órbita, 10. teto do seio esfenoidal, 11. goteira olfatória.
Quais os sintomas que levam às doenças da base do crânio?
Os sintomas causados pelos tumores da base do crânio variam conforme o local acometido, porém como regra há comprometimento de nervos cranianos. Por exemplo, um paciente com hipoestesia (diminuição da sensibilidade) no território do ramo oftálmico no nervo trigêmeo e paresia ou paralisia da musculatura extraocular (nervos oculomotor, troclear e abducente, ou seja, os músculos que movimentam o globo ocular) associado ou não a piora visual progressiva sugere um diagnóstico de alguma lesão na região do seio cavernoso. Um paciente com dificuldade de deglutição (nervo glossofaríngeo), paresia ou paralisia dos músculos esternoclidomastoideo e trapézio unilateral (nervo acessório, musculas da nuca) e hemiatrofia da língua (nervo hipoglosso) sugere lesão no forâmen jugular.
Osteomas, por exemplo, geralmente são assintomáticos, porém dor local, cefaleia e sinusite podem ocorrer. Neuropatia de nervos cranianos, principalmente de início súbito, sugerem metástase para a base do crânio. Dor de cabeça e diplopia (visão dupla) acometem aproximadamente 65% dos pacientes com cordomas e condrossarcomas da base do crânio. Meningeomas da base do crânio, devido ao seu crescimento lento, podem alcançar grandes volumes antes de manifestarem sinais e sintomas. Alteração da acuidade visual progressiva unilateral ou defeitos de campo visual devem sugerir no diagnóstico diferencial tumores tais como adenoma de hipófise, craniofaringeoma ou meningeoma do tubérculo da sela túrcica. Zumbido e hipoacusia (diminuição da audição) unilaterais podem ser devido a schwannoma do nervo vestibular superior, também conhecido como neurinoma do acústico. Obstrução nasal, sinusite e anosmia sugerem um tumor da parte anterior da base do crânio. Proptose (olho para fora), diplopia ou perda visual indicam envolvimento da órbita e do quiasma óptico.
Como prevenir sequelas em cirurgia da base do crânio?
A cirurgia da base do crânio é um procedimento de alta complexidade e o risco de complicações pós-operatória é maior do que os procedimentos comumente realizados em neurocirurgia. Por esse motivo é fundamental que a equipe seja experiente e o hospital seja altamente equipado, por exemplo, com microscópio cirúrgico de última geração, aspirador ultrassônico, Drill elétrico, monitorização neurofisiológica intraoperatória, disponibilidade de cola biológica e substitutos de dura-máter etc.).
Fistulas liquóricas (saída do liquor pelo nariz ou pela cicatriz cirúrgica) podiam ocorrer em aproximadamente 20% dos procedimentos de base do crânio grandes, embora recentemente nossa casuística seja em menos de 1% dos pacientes. O manejo de fistulas de alto-fluxo deve ser feito com reexplorarão cirúrgica com identificação e reparo do local onde a fistula se encontra. Fístulas de baixo-fluxo podem ser tratadas conservadoramente com repouso e drenagem lombar para diminuir o líquido cefalorraquidiano, no entanto intervenção cirúrgica é indicada se a fistula persistir depois de 3-5 dias.
Pneumoencéfalo (presença de ar dentro do crânio) pode surgir por diversas causas. Em quase todos os casos nos quais são feitas abordagens por craniotomia algum grau de ar existe na cavidade craniana porque o cérebro não se re-expande totalmente logo após a cirurgia. Com o tempo o ar tende a reabsorver sem necessidade de tratamento específico. Grandes quantidades de ar que persistirem, no entanto, podem se comportar como espaços mortos que podem predispor a infecções intracranianas. Pneumoencéfalo tensional é uma complicação rara e deve ser tratada de imediato. Raramente esses achados causam algum problema maior para o paciente.
Infecção da ferida operatória não é incomum após procedimentos com abordagens grandes, principalmente quando a ferida operatória é exposta ao trato aerodigestivo por longos períodos durante a cirurgia (cirurgia para câncer de cabeça e pescoço por exemplo). Terapia com antibióticos e drenagem quando necessários geralmente resolvem a infecção.
Déficits neurológicos acontecem se houve ressecção ou significativa manipulação e dano de estruturas neuronais durante a cirurgia. Com equipe experiente, porém é cada vez mais raro qualquer sequela neurológica. Quando ocorre, tratamento pós-operatório inclui uma variedade de procedimentos cirúrgicos (anastomose hipoglosso-facial para paralisia facial completa pós cirúrgica, por exemplo) e de reabilitação compensatórios, dependendo dos nervos envolvidos e do grau de comprometimento.
Disfunção da glândula pituitária (hipófise) pode ocorrer após a remoção de lesões selares ou paraselares e requerem monitoramento metabólico e hormonal cuidadoso. Deve ser usado terapia de reposição hormonal e manejo de fluidos e eletrólitos quando indicado.
Crises convulsivas podem ocorrer cedo no período pós-operatório ou podem ocorrer mais tarde. Elas são mais comuns quando, durante a cirurgia, houve manipulação do lobo temporal. O Tratamento consiste em terapia anticonvulsivante.
Embora sejam várias as complicações que possam ocorrer, todas podem ser evitadas ou tratadas com sucesso quando aparecem, sem causar problemas para os pacientes. Para isso, no entanto, é necessária uma equipe médica atenta e com experiência.
Principais tumores que acometem a base do crânio:
As tabelas 1 e 2 descrevem os tipos de tumores que acometem a base do crânio em regiões específicas. As regiões selar e paraselar estão descritas na tabela 3.
Tabela 1. Principais tipos tumorais nas fossas anterior, média e posterior da base do crânio
Tabela 2. Principais tumores das regiões da base do crânio.
Como se operam os tumores da base do crânio:
O objetivo desta sessão é fornecer ao leitor uma noção cirúrgica das diferentes formas de abordar os tumores da base do crânio, afinal, este é um dos diferenciais nesta complexa área da medicina e, com frequência, as especialidades clínicas que lidam com estes pacientes usarão os termos descritos a seguir em sua rotina.
Abordagens anteriores
As abordagens para a parte anterior da base o crânio pode ser divididas em intracranianas, extracranianas e combinadas. Abordagens intracranianas frequentemente incluem a craniotomia bifrontal, que pode ser expandida para incluir osteotomias orbitais (retirada da margem superior da órbita) e a remoção do nasion. Rotas extracranianas para a parte anterior da base do crânio podem envolver incisões transfaciais ou incisões sublabiais para procedimentos de degloving facial, no qual incisão na parte superior da mucosa gengival é realizada. Corredores operatórios através da cavidade oral também podem ser feitos e são chamadas abordagens transorais, geralmente utilizadas para tumores do clivus e junção craniocervical (cordomas, por exemplo).
Abordagens orbitais
A retirada da borda orbitária superior e do teto da órbita são úteis não somente para tumores orbitários (glioma e meningioma no nervo óptico, por exemplo), mas também para evitar retração cerebral nas abordagens de tumores da base do crânio. A base do crânio anterior, que é localizada atrás e acima da órbita, pode ser abordada através de uma craniotomia pterional com osteotomia orbitozigomática (nestes casos o arco zigomático é removido para maior retração do músculo temporal com conseqüente exposição da fossa média da base do crânio). Essa exposição também oferece acesso para lesões da fossa média da base do crânio, incluindo tumores do gânglio de gasser e tumores que envolvem o seio cavernoso e inclusive lesões da fossa posterior localizadas na parte superior do clivus.
A abordagem da cavidade nasal (transfenoidal)
Tumores da sela túrcica, incluindo aqueles com extensão limitada acima do diafragma da sela, podem ser abordados através da cavidade nasal através de uma abordagem transesfenoidal. Essa é a abordagem mais usada para se tratar adenomas de hipófise. Tumores muito grandes da região da sela e da região supraselar podem necessitar de uma exploração combinada, incluindo uma abordagem transfenoiodal e uma craniotomia pterional. Nos hospitais do grupo CEANNE temos utilizado a abordagem transesfenoidal minimamente invasiva por endoscopia para os tumores da fossa anterior.
Abordagem Transfacial
Uma abordagem através da face pode ser usada para se ressecar tumores que vão dos seios paranasais até o terço superior do clivus, que forma a parede anterior da fossa posterior. Estas abordagens geralmente são utilizadas para tumores malignos destas regiões, quando ressecções em bloco são necessárias. Para tumores menores, técnica de degloving, ou seja, com incisão gengival e não através da face, é indicada por motivos estéticos.
Abordagens transorais
Tumores da parte superior do clivus (de preferência que não tenham extensão intradural) podem ser abordadas usando-se uma abordagem sublabial, transoral ou transpalatal. Abordagens transorais e transpalatais requerem uma incisão da faringe posterior. Abordagens clivais podem ser estendidas através de uma osteotomia mandibular para que lesões que envolvem o processo odontóide ou a porção anterior da terceira vertebral cervical possam ser acessadas. Essas abordagens estão cada vez mais em desuso e sendo substituídas pelas abordagens endoscópicas minimamente invasivas.
Abordagens para a fossa média
As abordagens laterais para a fossa média passam através do osso temporal (petrosectomias) para acessar tumores do osso temporal, da orelha média, da fossa pterigopalatina e infratemporal, do gânglio de gasser, do seio cavernoso e do terço médio do clivus. A abordagem petrosa ou presigmóidea é um exemplo, no qual porções da parte petrosa do osso temporal são driladas, permitindo o acesso para as fossas média e posterior em um mesmo procedimento. Conhecimento microanatômico profundo das estruturas do osso temporal é essencial para não haver lesão iatrogênica do nervo facial e dos canais semicirculares.
Abordagens posteriores
Abordagens para a parte posterior da base do crânio incluem a abordagem extremo lateral, na qual o côndilo occipital é drilado), que é muito indicada para tumores que se encontram anteriores ao tronco encefálico, craniotomia retromastóidea/craniotomia suboccipital ou craniectomia. Uma abordagem lateral extrema expõe o terço inferior do clivus, o ângulo ponto-cerebelar e a superfície petrosa do osso temporal. Craniotomia retromastóidea e craniotomia suboccipital são usadas para abordar lesões do ângulo ponto-cerebelar e a superfície petrosa do osso temporal.
Cirurgia Robótica e Neurocirurgia
Embora o auxílio do Robô esteja se disseminando em áreas como urologia entre outras, em neurocirurgia e cirurgia da base do crânio ainda não existe benefício definido.